Ainda há poucas centenas de aldeias yanomamis, comunidade que alcançou 35.000 indígenas, entre Brasil e Venezuela, e que hoje é reconhecidamente um dos povos que mais defende o território diante do assustador desmatamento e garimpo. Considerado um dos originários mais antigos do que é considerado pelo homem branco como América do Sul, eles obviamente possuem uma existência cercada por um ecossistema sustentável, mas perecem diante da violência contra os indígenas e, especialmente no Brasil, veem o desrespeito crescer cada vez mais. Com esse olhar tão importante quanto essencial, o cineasta Luiz Bolognesi mais uma vez defende a raiz brasileira, agora com o espetacular “A Última Floresta”.

Filmado diretamente em uma das comunidades yanomami, na qual o xamã Davi Kopenawa, responsável pelo livro “A Queda do Céu”, forte representante indígena diante de atrocidades políticas que insistem em desmembrar as leis que ainda protegem esse povo, também é um dos olhares deste longa-metragem documental. Assim, o roteiro, que foi escrito por Davi e Luiz, traça uma experiência única ao espectador, e a câmera é surpreendentemente voraz em capturar situações nas quais dificilmente uma pessoa permitia ser filmada sem sequer saber o que é cinema. Ali, então, Luiz apresentava a sétima arte aos yanomamis, mas aprendia muito mais sobre humanidade do que qualquer roteiro ficcional poderia lhe ensinar.

Desta forma, o espectador acompanha deslumbrado aquela comunidade viver. Do dia a dia de caça, do ensino às crianças aos hábitos dos mais velhos, da chuva que insiste em cair, mas que não atinge nenhum dos habitantes daquele espaço, tão bem construído, tão singelo diante da potência da natureza. Tudo é captado em tomadas belíssimas, fotografadas com esmero por Pedro J. Márquez. Ele consegue imprimir textura às cores naturais da dita última floresta, e a urgência surge repentinamente, quando os yanomamis fazem varreduras e de fato encontram garimpeiros muito além do que haviam ido até então. Entre o que eles fazem para viver e o que eles vivem com temor, o documentário encontra espaço, ainda, para incursões poéticas às histórias que eles contam.

Assim, Bolognesi capta com sabedoria os contos daquele povo, e o faz, em alguns momentos, simular o encontro dos criadores da humanidade, da natureza, da vida. Como o próprio diretor referenciou, os povos originários não precisam de poesia, porque a sintaxe está em sua vivência, em suas palavras. Eles dizem com cadência apenas o que precisam, mesmo que isso signifique um devaneio de determinado ritual ou incômodo comichão que um ou outro sente, como uma tentação ironicamente cristã, de partir com o homem branco. O material ganha o toque de diabo nesta história, e o feitiço do homem branco em seduzir o yanomami está na perdição que é a sociedade em si.

Ao captar com exatidão a experiência de estar naquela tribo por alguns dias, o documentário consegue imprimir muito bem a sensação que é o completo isolamento da sociedade costumeiramente ocidental. Como um voto de renovação, então, o espectador logo se permite, e isso é uma força e tanto do longa, se encaixar naquela vida tão diferente de uma cidade, da cuja dita “civilização”. E, muito mais do que pessoas que não mantêm contato algum com o homem branco, Davi Konepawa fala português, usa celular quando precisa; usa rádio para se comunicar com outros pontos da floresta e saber até que ponto está a ameaça de extinção – da floresta, da fauna, do indígena.

Contudo, ainda que a poesia soe concomitante ao alarmismo extremamente necessário, “A Última Floresta” é uma joia rara naquilo que se apresenta: um documentário semificcional sobre a vida dos yanomamis no Brasil, como parte de toda a cultura originária que ainda permanece no território, mas que precisa mais do que nunca que o mundo olhe para eles e tantos outros para, então, perceber que, mais uma vez, parte da história pode ser apagada, e o título não poderia soar mais triste, pois é o reflexo exato daquela realidade – essencialmente apresentada por Kopenawa, mas traduzida ao cinema por Bolognesi. Um verdadeiro trabalho coletivo como somente o cinema sabe fazer para contar uma história e, ao mesmo tempo, abrir uma janela de discussão.

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