Viagem no tempo é sempre uma boa desculpa para se criar realidades alternativas e apagar eventuais falhas na história – seja ela a história do mundo ou a história de um filme ruim. O recurso requer regras bem estabelecidas para que a tal suspensão de descrença funcione. “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” apresenta um futuro distópico onde os robôs Sentinelas transformaram a Terra em um grande campo de concentração. Wolverine (Hugh Jackman) vai usar os poderes de Kitty Pryde (Ellen Page) para voltar no tempo, alterar os rumos da história e evitar que os robôs exterminadores sejam criados.

O que volta no tempo não é o corpo do herói, mas sim a sua mente, ocupando o corpo dele mesmo em 1973. O que Logan aprontar por lá só vai fazer efeito no futuro quando ele acordar desta espécie de transe. As regras do roteiro tentam amenizar o paradoxo do fluxo espaço-tempo já que são duas timelines acontecendo simultaneamente: o passado e o futuro, sendo que os acontecimentos do passado não interferem no futuro imediatamente.

Então, pode-se dizer que tudo que acontece no filme está em suspensão, dependendo de um “despertar” do Wolverine para ser efetivado. Os personagens do futuro estão encurralados por Sentinelas e vão lutar até o fim, mas essa versão do futuro está prestes a mudar, para o bem ou para o mal. Ou seja, a partir do momento em que você tem isso em mente, todo aquele suspense não vale absolutamente nada.

O filme tem um único momento em que o efeito borboleta ameaça bagunçar o futuro de fato. É justamente quando Wolverine, acompanhado do jovem Professor Xavier (James McAvoy) e do jovem Magneto (Michael Fassbender), interferem no evento central do passado, aquele em que Mística (Jennifer Lawrence) teria matado o Dr. Trask (Peter Dinklage, de “Game of Thrones”), inimigo dos mutantes e criador dos Sentinelas. Não pela sobrevivência de Trask em si, mas por inserir uma surpresa que, se levada adiante, poderia, aí sim, detonar infinitas mudanças na linha do tempo posterior. Infelizmente, o roteiro de Simon Kinberg (responsável por “X-Men: O Confronto Final”, que este filme tenta consertar) só flerta com essa possibilidade, afinando miseravelmente e retomando seu fluxo normal na sequência.

Peter Dinklage é a principal novidade, mas quem rouba o filme durante uns 15 minutos é o Mercúrio (Evan Peters, da série “American Horror Story”), o divertido Flash da Marvel, convocado para resgatar Magneto de sua prisão no Pentágono. Quanto ao restante do elenco, é curioso notar que em “X-Men: Primeira Classe” (2011) eram quase todos caras novas e agora são todos grandes astros do cinema.

Jennifer Lawrence ganhou o Oscar nesse período e sua Mística virou personagem central da trama, responsável pelo destino de todos e pela lição de que suas escolhas podem mudar o mundo. Sim, ela é importante, mas todo o seu background psicológico, aquilo que faz ela agir do modo como age, ficou no filme anterior.

Já Halle Berry e Anna Paquin, que também já ganharam Oscar, são figurantes de luxo, como tantos outros que aparecem aqui e ali para alegrar a nerdaiada.

Os conflitos raciais que fazem dos X-Men tão interessantes são os mesmos já apresentados nos outros filmes: há a briga interna entre as duas facções de mutantes e há a briga externa contra os humanos intolerantes. As novidades são a falta de fé do jovem Xavier e a boa sacada de dar o papel do líder da intolerância a um anão, embora o filme não explore o fato como deveria. Meia dúzia de palavras do Tyrion sobre bastardos, aleijados e pessoas quebradas resolveriam o problema.

É mencionado que os Sentinelas são capazes de detectar (e exterminar) não só mutantes, mas também qualquer humano comum com algum traço de mutação nos genes. Ou seja, todo mundo. Somos todos mutantes. Todo adolescente leitor de quadrinhos se sente diferente e daria tudo para estudar na escola do Professor X, a Hogwarts dos mutantes, não?

O trailer de “Dias de um Futuro Esquecido” prometia mais questões metafísicas e reviravoltas temporais, mas o máximo de ousadia que temos aqui é um encontro entre o Xavier novo e o velho (Patrick Stewart). Deveria ser um grande momento de redenção e autoconhecimento, mas acaba parecendo mais uma sessão de auto-ajuda. O que você diria para o seu eu mais novo? O que um homem com a experiência e o conhecimento do velho Xavier diria para seu ainda inseguro eu jovem?

De todo modo, os retornos de Bryan Singer à direção e de Wolverine ao eixo principal da ação, depois de dois filmes solo bem fracos, são muito bem-vindos, mas como Magneto movendo um estádio de lugar só para cercar um perímetro, “Dias de um Futuro Esquecido” tem intenções grandiosas que nem sempre se justificam.

É muito fácil soltar o Magneto do Pentágono. Kitty aprende a realizar e sustentar uma complexa viagem no tempo com muita facilidade. É fácil demais alterar o curso da história sem causar nenhum prejuízo para a humanidade. Talvez nos quadrinhos seja tudo sempre fácil assim mesmo, mas não foi isso que Sarah Connor e Marty McFly nos ensinaram no cinema.

fonte:pipocamoderna.virgula.uol.com.br

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