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Crítica do site Omelete.com.br :

Por alguma razão, Hollywood se convenceu de que é hora de refilmar os longas do cineasta holandês Paul Verhoeven que ajudaram a dar substância ao cinema de ação americano nos anos 1980 e 1990, como O Vingador do Futuro – cujo remake saiu em 2012 – e agora RoboCop . Acontece que os filmes de Verhoeven, além de personalistas, vêm sempre com uma sátira embutida, o que torna potencialmente ridícula a tentativa de reproduzi-los.

MGM penou alguns anos com o projeto, até ver Tropa de Elite e decidir que o diretor brasileiro José Padilha era o homem certo para atualizar o Policial do Futuro. A semelhança é evidente – o Capitão Nascimento e seus chefiados de BOPE treinam para lidar com o crime de modo maquinal, com a eficiência de um robô, e se desumanizam no processo – e na verdade não é de espantar que o RoboCop de 2014 divida com o primeiroTropa de Elite algumas qualidades e também os seus defeitos.

A principal semelhança é a tendência a criar um painel intrincado de pontos de vista. Isso pode ser entendido tanto como uma vantagem (o filme ganharia em complexidade por abarcar diversas questões) quanto como deficiência (os pontos de vista se anulam entre si e o filme fica sem uma perspectiva própria que o balize).

Em relação ao RoboCop de 1987, temos a premissa conhecida do policial que sofre um atentado e é mantido vivo como máquina. A diferença que Padilha traz são os muitos coadjuvantes criados não apenas como peças funcionais para a trama mas principalmente como tópicos de discussão: o cientista à la Dr. Frankenstein (debate de ética científica), os policiais (debate de corrupção, sedução do crime), o âncora de TV reacionário (debate do poder de influência da mídia), os industriais com seu departamento de marketing (debate sobre consumismo e opinião público).

O que temos é um painel não necessariamente complexo, talvez apenas complicado. Quem parece perder no meio desse tiroteio de temas é justamente o protagonista, esvaziado em suas decisões e em sua jornada de herói. Com o Capitão Nascimento acontecia o mesmo (e Padilha soube corrigir no segundo filme), e por isso o primeiro Tropa de Elite parecia ora condenar, ora legitimar a violência automatizada. No seu RoboCop, o diretor evidencia como a programação da máquina reduz a humanidade do policial, mas ao mesmo tempo se satisfaz, nas cenas de ação inspiradas nos games de tiro em primeira pessoa, com a eficiência dessa máquina.

Talvez o exemplo mais pontual dessa desordem seja o uso que Padilha faz do tema musical criado em 1987 por Basil Poledouris: a fanfarra aparece já nos créditos iniciais, triunfante, evocativa, mas depois o tema é reutilizado durante o filme de forma irônica, para associá-lo ao discurso fascista. O tema musical deixa de ser parte reconfortante de um inconsciente coletivo e se torna mote do lado vilanesco do debate – e o espectador, compreensivelmente, fica sem entender se deve ou não aderir a ele.

Como o RoboCop de Padilha é obcecado por interfaces, filtros de informação e formas de mediação (a vigilância total à la NSA é um assunto muito mais quente no filme do que os drones), essa sua paradoxal incapacidade de eleger uma perspectiva própria sem dúvida fará deste remake um sucesso nas aulas de semiótica. Mas é na comparação com o RoboCop original que as coisas ficam claras: Verhoeven misturava temas e tons sob a chave do humor negro para criar uma visão de mundo idiossincrática mas singular, enquanto o filme plural de Padilha é acima de tudo um sintoma da era de desinformação em que vivemos.

Por que a exemplo do download completo do banco de dados criminal de Detroit que trava a cabeça de Alex Murphy, o acesso total a informações, lados e debates só pode resultar em esquizofrenia. Talvez venha daí não só a polarização que o remake tem gerado na crítica como também o interesse que este RoboCop estimula. Filmes tortos sempre rendem as melhores discussões.

fonte:omelete.com.br

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