A Continuação de Uma Crítica Ácida ao Sistema
Em 2019, O Poço conquistou o público da Netflix com sua alegoria visceral sobre desigualdade social, capitalismo e a luta pela sobrevivência em uma prisão inusitada, onde os presos são alimentados por uma plataforma que desce de andar em andar, oferecendo apenas as sobras para os que estão abaixo. O filme foi um grande sucesso, especialmente durante a pandemia, e gerou debates acalorados sobre a distribuição de recursos e a dinâmica de classes. Agora, quatro anos depois, O Poço 2 chega à plataforma, trazendo novas camadas para a história e ampliando as críticas a sistemas sociais opressivos.

O Enredo de O Poço 2: Uma Revolução Teocrática
A trama de O Poço 2 nos apresenta Perempuán (Milena Smit) e Zamiatin (Hovik Keuchkerian), que vivem em uma realidade muito diferente da de Goreng, protagonista do primeiro filme. A principal novidade é a Revolução Solidária, uma tentativa de “justiça” instaurada dentro do Poço, que propõe uma nova ordem com base na ideia de que todos devem receber o mesmo alimento, respeitando uma hierarquia rígida.
Zamiatin, que pede pizzas todos os dias, percebe que, quando a plataforma chega em seu andar, a comida está com pedaços faltando. Ao tentar comer algo que não é seu, ele é alertado por um aviso de cima, que lembra a todos sobre a importante lei da Revolução: comer não é um direito, mas um dever. A história segue desvendando as tensões entre os que tentam seguir as regras e aqueles que as quebram, como o grupo radical dos Leais, que defende o sistema com violência extrema.
A Teocracia e o Fanatismo Religioso: A Crítica Social de O Poço 2
Se o primeiro filme abordava as disparidades econômicas e a exploração capitalista, O Poço 2 faz uma virada para a crítica às sociedades teocráticas e fanáticas. A Revolução Solidária tem como base os ensinamentos de um messias conhecido como o Maestro, que defende a distribuição de comida por meio de um sistema que, à primeira vista, parece justo, mas é sustentado pela violência e pela repressão. Os Ungidos, liderados pelo cego Dagin Baba, são os responsáveis por impor essa ideologia através de punições brutais, como mutilações e torturas. Essa dicotomia entre as intenções altruístas e a prática tirânica é um dos maiores pontos de reflexão do filme, lembrando diversas realidades de regimes que se justificam por uma “verdade suprema” e acabam perpetuando a opressão.
A Conexão com o Primeiro Filme: Uma Pré-História de Goreng
A grande surpresa de O Poço 2 é que ele não segue diretamente os eventos de O Poço, mas sim os antecede. A história é ambientada antes da chegada de Goreng ao Poço, e nos apresenta Trimagasi (Zorion Eguileor), o antigo preso que, no primeiro filme, compartilhou com Goreng as regras do local e a possibilidade de subir à superfície. Trimagasi, agora, nos revela uma revolução que não deu certo, uma revolta contra os Leais e os Ungidos, oferecendo ao público mais profundidade sobre o passado do Poço e de seus habitantes.
Além de Trimagasi, vemos também personagens que retornam de O Poço, como Baharat, o prisioneiro que tenta escapar com a ajuda de uma corda, e Imoguiri, a representante da administração do Poço. A presença de personagens como Miharu e a criança, que são fundamentais no final do primeiro filme, ajuda a estabelecer uma conexão ainda mais forte entre os dois filmes, criando uma continuidade narrativa que amplia as camadas de interpretação.
O Final de O Poço 2: Uma Nova Mensagem de Esperança?
O desfecho de O Poço 2 é marcado por uma reviravolta emocional. Perempuán, cuja trajetória na prisão é marcada por culpa e tentativas de redenção, decide ajudar uma criança que é levada para o nível 333, o mesmo andar onde Goreng encontra a criança no primeiro filme. Em um ato de solidariedade e resistência, ela desce com o garoto até o fundo do Poço, oferecendo uma última mensagem de esperança, semelhante à atitude de Goreng no primeiro filme. A ação de devolver a criança ao Poço simboliza não apenas uma tentativa de “corrigir” os erros do passado, mas também um questionamento sobre os sistemas que continuam a aprisionar os indivíduos e as vítimas da sociedade.

A Continuação e o Futuro: O Que Esperar?
A trama de O Poço 2 deixa muitas perguntas no ar, principalmente sobre o futuro de Perempuán e o impacto da Revolução Solidária. Além disso, o filme inclui uma cena pós-créditos que conecta as narrativas de O Poço e O Poço 2 de maneira intrigante, sugerindo que os dois protagonistas (Goreng e Perempuán) possam ter mais em comum do que imaginamos.
As crianças, que desempenham um papel enigmático ao longo do filme, também ganham destaque. Elas participam de gincanas e competições para serem escolhidas a habitar o Poço, uma dinâmica que pode ter grandes implicações em um possível terceiro filme. O destino dessas crianças e a continuidade do sistema opressor, representado pelo Poço, são questões que, provavelmente, ainda serão exploradas em uma sequência.
Conclusão
O Poço 2 é uma continuação intensa e cheia de nuances, que amplia a crítica ao sistema de classes e ao fanatismo ideológico, ao mesmo tempo que cria uma reflexão profunda sobre a natureza humana e o que estamos dispostos a fazer para sobreviver em um sistema que não nos favorece. Com uma narrativa tensa e personagens complexos, o filme vai além da história do primeiro, criando uma obra que, apesar de ser uma sequência, se torna ainda mais relevante para as discussões sociais contemporâneas.
Já disponível no catálogo da Netflix, O Poço 2 é uma experiência cinematográfica que desafia, questiona e, como o primeiro filme, instiga o público a refletir sobre o mundo em que vivemos.