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Em “Danças Negras”, há diversos relatos que servem de ponto de partida a toda e qualquer pessoa que desconheça a história da cultura africana em solo brasileiro. Com isso, o documentário vai muito além do que é aprendido nas escolas e apresentado pelas diferentes mídias de massa, e traça um paralelo essencialmente impactante entre a arte e a dança e a história dos negros desde que foram escravizados e trazidos à força para o Brasil – dentre outros tantos territórios que fizeram o mesmo.

Ali, em algumas dezenas de minutos, é possível encantar-se com os corpos em constante movimento, mas também é provável entristecer-se e revoltar-se com a negligência que tantas culturas africanas, tratadas como iguais, culminaram em um legado tão rico, mas deixado de lado pela população brasileira. Hoje, porém, o documentário é uma das diversas ferramentas contra a continuidade de tamanha negligência, como o diretor, João Nascimento, conta em sua entrevista para o “Cinema com Rapadura”:

“O projeto tem início em um tempo histórico de lutas, ações antirracista e movimentos políticos-culturais efervescentes na cidade de São Paulo na década passada, onde a Cia Treme Terra abre uma importante discussão sobre racismo institucional em políticas públicas culturais em torno do Programa de Fomento à Dança da cidade, gerando incômodo em grande parte da classe artística eurocentrada e conservadora. Foi aí que percebemos a importância de registrar e documentar o estilo e pensamento em dança negra contemporânea que a Cia Treme Terra vem praticando desde 2006. Com recursos próprios, em 2016 gravamos o coreógrafo e dançarino Clyde Morgan e a candomblecista e educadora Makota Valdina, em Salvador, ainda no final de 2018 estávamos gravando o último personagem que foi o pesquisador e escritor cubano Carlos Moore. Não tínhamos pretensão de montar um longa-metragem, pois inicialmente, pensámos apenas em documentar as nossas próprias histórias. Então, cada vez que a gente entrevistava um personagem, era como se estivéssemos puxando uma ponta de um infinito novelo de lã das artes negras, que ainda nos restam muitas pontas a desvendar.”

Há questões intrínsecas à arte e à resistência e, como a brilhante frase de Makota Valdina, “Nós não somos descendentes de escravos, somos descendentes de seres humanos negros que foram escravizados”, este documentário é uma carta de amor aos pioneiros na luta antirracista usando a arte como instrumento de luta. Sobre isso, o cineasta fala:

“Makota Valdina faleceu em 2019 na Bahia, é uma das intelectuais mais fascinantes que tive o privilégio de conhecer, uma cabeça fenomenal que modifica e rompe com maestria as estruturas simbólicas colonialistas. Inicialmente, criamos um ‘roteiro fluido’, como ponto de partida para as entrevistas, compreendendo a pluralidade e complexidade do tema, muitas vezes fomos surpreendidos com respostas que reconfiguravam o projeto a novos rumos, expandindo possibilidades e ampliando o campo de abordagem. O roteiro foi estruturado em alguns pilares importantes para a construção desta obra, tópicos que costuram narrativas atreladas à luta antirracista, o movimento da capoeira, os códigos e simbologias dos terreiros de candomblé, os vocabulários e poéticas das danças, o diálogo com a musicalidade, a arte negra como manifesto poético de resistência e identidade cultural.”

Assim, o desenvolvimento deste documentário se apresentou, de acordo com o diretor, algo intrínseco ao grupo escolhido para ser entrevistado:

“As escolhas dos personagens surgem das experiências, vivências e discussões artísticas suscitadas nos encontros, ensaios e movimentos políticos articulados pelo Treme Terra, Cia da qual sou diretor fundador ao lado de Firmino Pitanga, diretor coreográfico. Muitos dos nomes estão vinculados às nossas histórias de vida artística e política, compreendendo a ancestralidade, a linhagem cultural e a abordagem política antirracista, atrelada ao ambiente de criação e pensamentos em arte negra. Decupar o material foi um trabalho árduo, no entanto, um profundo estudo sobre o tema, que nos permitiu revisitar os conteúdos de maneira mais consciente, compreendendo as nuances de cada fala e pensamentos. Decidir o corte final é sempre muito difícil, a vontade é de poder colocar todas as falas, quem sabe um dia montar uma série documental de ‘Danças Negras’.”

“Danças Negras” chegou aos cinemas em 9 de setembro. Leia nossa crítica.

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