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Houve uma época em que “Star Wars” era um universo em expansão desordenada. Entre livros, jogos e outras mídias – mas não filmes e séries -, a prioridade de cada artista era criar histórias únicas, que tivessem apelo para os fãs da saga e lidassem com a essência da franquia, sem se preocupar necessariamente com questões mais mundanas como, por exemplo, continuidade. “Star Wars: Visions” é um breve retorno a essa época.

Idealizada pela Lucasfilm para explorar a vasta galáxia da franquia sem qualquer amarra narrativa, “Visions” funciona como uma típica antologia de animação, tal qual “Animatrix” ou “What If…?“, da coirmã Marvel. Mas sua premissa, na verdade, não reside dentro das histórias que conta, mas fora: é proporcionar a sete estúdios de animação japoneses a oportunidade de trabalhar uma das maiores franquia do entretenimento à sua própria maneira. Para tanto, a produtora desfez-se de seu principal obstáculo para prover tanta liberdade: seu cânone.

Imaginar “Star Wars”, na grande maioria da vezes, é praticamente impossível sem associar de imediato a seus principais ícones. Mesmo em tentativas recentes, como na nova trilogia, desvincular-se desse pesado passado se mostrou difícil tanto para os criadores, quanto para o público. O principal trunfo de “Visions” para lograr esse êxito foi entregar o universo da franquia nas mãos de criadores totalmente desvinculados a ela, que se permitiram enxergar a franquia sem a expectativa de fãs – no máximo uma curiosidade.

O resultado é um glorioso caldeirão das influências originais da franquia servidas em doses generosas ao longo dos nove episódios da antologia. Ainda que os temas desenvolvidos sejam basicamente os mesmos da franquia nos cinemas, o que torna “Visions” algo único no catálogo de “Star Wars” é o formato. Trabalhados pela ótica cultural de quem as tem enraizadas, as influências que pesaram sobre George Lucas nos anos 1970 ganham contornos inimagináveis para quem assiste os mesmos filmes esperando as mesmas coisas. Com isso, a antologia pode muito bem agradar parte dos fãs pelo desprendimento dos dogmas narrativos da saga, mas pode justamente desinteressar outra parte pelo mesmíssimo motivo.

Outro ponto forte de “Visions” é a variedade entre as formas de animação empregadas. Mesmo episódios produzidos pelo mesmo estúdio utilizam-se de traços diferentes para dar vida a suas histórias e determinar seu tom e escopo. Enquanto há claras referências visuais aos contos de samurai de Akira Kurosawa (como The Duel), outros episódios não ficam devendo em nada para animes contemporâneos (tal qual Tatooine Rhapsody). Com isso, muitas vezes podemos nos deixar enganar pela simplicidade gráfica de uma história ou mesmo pela inocência de algum personagem, que guardam boas surpresas para seus desfechos.

É bem verdade que o contexto atual do consumo de entretenimento favorece antologias de animação. O streaming é um campo mais amplo para que elas façam mais sucesso hoje do que antigamente. Mas associar o sucesso de “Star Wars: Visions” única e exclusivamente a isso é perder de vista o que exatamente constitui uma história de “Star Wars” e desdenhar do poder que as animações japonesas têm no imaginário de boa parte dos espectadores da franquia. Essa nova série certamente tem algo para todos os fãs – dos mais antigos aos mais novos e dos mais abertos aos mais conservadores.

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