João (Gustavo Vaz) mora em uma casa cuja ausência de luz é quase uma regra. Os cômodos são ocos, pela falta de mobília e personalidade, como se a vida tivesse se esvaído daquele lugar enquanto ele deixou de se importar. Naquela manhã, ele se veste com a melhor roupa para pedalar, e parte de bicicleta, quilômetros a fio, rumo à aula planejada para o seu dia. Mas, apesar de parecer o início de uma rotina, aquele é um momento especial na vida dele, pois pretende reencontrar sua ex-esposa, que dá título a este “O Jardim Secreto de Mariana”.
De forma contemplativa, o cineasta Sergio Rezende traz ao espectador a experiência de um homem em busca de seu antigo amor, e a personalidade de João, muitas vezes considerada abusiva ao longo do primeiro ato deste filme, aos poucos é justificada pela bagagem emocional que carrega consigo. Pois, sendo um homem impulsivo e claramente assediador, como ele espera reconquistar Mariana (Andréia Horta)? Ela, aliás, foge desse encontro, e o evita mesmo quando é confrontada por ele.
Porém, o que o cineasta faz, com o roteiro de sua autoria e de Maria Rezende, é uma subversão gradual de papéis e valores, e o tempo inteiro a nova realidade de João é confrontada com os flashbacks de quando seu relacionamento com Mariana estava pleno. Assim, o espectador é jogado, pelo brilhante trabalho de montagem, também de Maria Rezende, que utiliza da linguagem apresentada como essência para montar um quebra-cabeças doloroso e necessário. Desta forma, o primeiro ato segue o formato clássico: o de apresentar seus personagens, sobretudo, o protagonista.
Em seguida, o filme começa a provocar o espectador, pois a belíssima paisagem de Minas Gerais, sobretudo de parques de Inhotim e Brumadinho, serve como pano de fundo à personalidade de Mariana. Quando juntos, ela e João decidem plantar no sítio doado pelo pai dele, Zé (Paulo Gorgulho), uma série de verduras, legumes e frutas sem a utilização de agrotóxicos ou qualquer outro tipo de componente químico. Mas, ainda que ela seja inimiga completa da intervenção humana na natureza, precisa justamente disso para conseguir encontrar a felicidade que tanto sonhou: ser mãe. Porém, João possui problemas de fertilidade, e isso os impede de engravidar através de concepção natural. Assim, ambos buscam ajuda médica, através de diversos tipos de tratamentos, mas o resultado esperado nunca chega.
Como o espectador monta em sua cabeça as peças que ligam, pouco a pouco, o arco principal que motivou João a reencontrar Mariana, é justamente o contrário o que acontece. Com um segundo ato intrigante, o filme apresenta todas as justificativas para afastar o protagonista de seu amor, mas ele parece não se importar mais com o passado, e há algo que torna o título deste longa tão importante: o desfecho traz o impacto que liga todas as peças, e isso provoca no espectador uma longa reflexão, tanto temática quanto de absorção da narrativa escolhida.
Aliás, o belíssimo trabalho de escrita de ambos os Rezende é composto pela fotografia de Felipe Reinheimer, que compreende a simbologia por trás da natureza ao redor de Mariana, e da força física e bruta de João como a grande ironia de sua vida. Além disso, o figurino de Joanna Ribas faz sua parte ao apresentar pequenos easter eggs sobre o significado daquele relacionamento aparentemente tóxico. Com isso, João ganha o direito de redenção, e Mariana apresenta justificativas para equilibrar a relação com suas escolhas igualmente erradas.
O resultado, portanto, é um filme incisivo, que se encarrega de envolver o espectador como uma hera venenosa, enganando-o pouco a pouco. No fim, não há uma resposta simples para “O Jardim Secreto de Mariana”, e sim o silêncio profundo da reflexão.
O post Crítica | O Jardim Secreto de Mariana (2021): as dores e o veneno do amor apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.
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