Em “Projeto Flórida”, o cineasta Sean S. Baker apresentou uma história dilacerante, sobre crianças de baixa renda que vivem às margens dos parques temáticos de Orlando, e aproveitam suas ruas extensas e construções abandonadas para criar seu próprio universo. Adicione à receita imigrantes latinos e ilegais e você encontrará o resultado atingido em “Los Lobos”. Mas, muito mais do que uma cópia ou continuação da premissa do filme citado, esta é uma viagem muito mais abrangente porque conversa diretamente com a realidade de quem sequer conseguiu chegar nos Estados Unidos.
Aqui, o cineasta Samuel Kishi, que também assina o roteiro, ao lado de Luis Briones e Sofía Gómez-Córdova, leva o espectador a uma viagem à mente dos jovens irmãos Max (Maximiliano Nájar Márquez) e Leo (Leonardo Nájar Márquez), e os nomes não são semelhantes à toa. Como o diretor deixa claro desde o início, este é um recorte sobre a realidade de milhares de latinos que chegam aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor, que ainda está abaixo do famoso “sonho americano”, que é a casa, o carro, o emprego e a família dos sonhos.
Porém, a mãe dos garotos, Lucía (Martha Reyes Arias), tão jovem quanto calejada pelos tombos que a vida lhe deu, chega ao país com quase nenhum inglês, e depende de sua perspicácia para encontrar um bom lugar para morar. É claro que, em um país cujos sonhos estão ultrapassados há anos, seja pela crise econômica mundial ou pela péssima política aplicada no país nos últimos tempos, o valor do aluguel é a primeira e principal barreira para que Lucía apenas encontre um teto. Por isso, após circular pela cidade, com a promessa aos filhos de que os levaria à Disney, a personagem logo se estabelece onde é possível.
Ali está o exemplo real de como um sonho naufraga, e como toda a existência de uma vida é tolhida ao estereótipo aplicado a ela logo que nasce. Lucía precisa de seu subemprego para permanecer ativa, pagar o aluguel, alimentar seus filhos e encontrar qualquer fagulha de esperança para que sua família de fato prospere. Talvez jovem demais para analisar o “sonho americano”, ou talvez dona de uma realidade ainda pior do que aquela, a verdade é que tudo o que ela precisa é trabalhar, dormir, trabalhar, dormir, trabalhar, dormir…
Enquanto isso, Max e Leo ficam sozinhos no pequeno apartamento, sem poderem ir para fora do local. É claro que, com duas crianças repletas de imaginação, a claustrofobia dura pouco e, por mais que os pensamentos encontrem soluções criativas, nada é melhor do que a liberdade. Desta forma, ambos começam a frequentar o quintal daquele condomínio, comandado pela Sra. Chan (Cici Lau) e pelo Sr. Chang (Johnson T. Lau). A partir do segundo ato, quando os meninos já estão abertos às experiências novas daquelas aventuras, o filme começa a dialogar com o espectador sobre o seu principal propósito.
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Assim, fica evidente que o trabalho do diretor é o de apenas retratar um recorte de realidade, e não o de fornecer respostas, sejam elas boas ou não. Desta forma, enquanto Max e Leo encontram uma realidade intrigante, Lucía precisa provar que eles podem continuar sonhando, mas, para quem apenas consegue sobreviver, essa é uma tarefa árdua demais, o que mais uma vez se assemelha ao belíssimo “Projeto Flórida”. Cabe, então, a sugestão de que ambos são filmes-irmãos, e que isso pode fornecer uma experiência ainda mais completa ao espectador, ainda que ambos funcionem perfeitamente bem separados.
Apesar da temática parecida, este “Los Lobos” se distancia de seu filme-irmão por apresentar personagens reais, nos quais a história se baseou como um complemento de diversas realidades, as quais são apresentadas através de pessoas que aparecem, estáticas, encarando quem as assiste. Tudo gira em torno do cidadão latino que busca por uma vida melhor, como também é visto em “A Santa do Impossível” e muitas histórias foram resumidas em uma, mas, ao mesmo tempo, o roteiro busca por situações que as representem bem.
Além disso, a trilha melancólica evoca, no espectador, a sensação de estar em um conto de fadas às avessas, e cada vez mais a Disney parece algo distante para aquelas crianças, não só geograficamente, como também a dura realidade da esperança que se esvai à medida que o tempo passa. Com isso, Kishi consegue contornar toda a tristeza aparente (até mesmo na fotografia e no apartamento quase vazio, sem valor material) com dois atores mirins que merecem aplausos por conseguirem segurar o filme praticamente sozinhos, transformando a todos, inclusive a mãe, em coadjuvantes de seus sonhos e esperanças.
Assim, existe um lado doce em “Los Lobos” que o espectador menos atento poderá deixar passar. Porém, ainda que a faixa de luz repleta de crenças se apresente, não há dúvidas de que este é um longa-metragem altamente reflexivo, que conduz quem o assiste à vida generalizada de todo mundo que almeja por uma realidade melhor e, ainda que não a encontre de pronto, consegue continuar a sonhar.
O post Crítica | Los Lobos (2019): tocante retrato da angústia do imigrante apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.

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