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Bolívia, Paraguai, Brasil. A tríplice fronteira latina e muitas vezes ignorada é o pano de fundo deste “King Kong en Asunción”, cujo protagonista vai muito além de quaisquer aspectos comuns porque carrega consigo traços difíceis de interpretar: silencioso, meticuloso e conformado. Por isso, a transformação de sua jornada não é do tipo mais fácil de se acompanhar, mas a qualidade técnica e narrativa desta obra enche os olhos e, desta forma, ajuda o espectador.

Porém, o próprio espectador é quem dará o passo contra logo nos primeiros minutos de exibição, pois, em um deserto qualquer, bem distante de tudo e todos, o protagonista sem nome, ou melhor, o Velho (saudoso Andrade Júnior), é um matador de aluguel que chega à terceira idade com um único objetivo: carregar dinheiro o suficiente para sobreviver dali em diante. Assim, logo no início da projeção será possível acompanhar, em longos e belíssimos minutos, a sua última execução, e a partir de então o protagonista simplesmente carrega a sua mala a tiracolo e caminha por quilômetros a fio.

É somente após o primeiro ato ser finalizado, com a apresentação de um protagonista silencioso, que será possível compreender seus próximos passos. Ao garantir a recompensa pelo assassinato que cometeu, o Velho parte rumo ao Brasil, onde está o amor de sua vida, que precisou criar a filha sozinha. Hoje, ela é adulta e mãe, e a chegada do Velho será motivo de questionamentos. Porém, apesar de este ser basicamente o arco de toda a narrativa, é na jornada do protagonista, e não em sua redenção, onde estão todas as respostas do roteiro escrito e dirigido por Camilo Cavalcante.

Aliás, é justamente a visão do cineasta que torna este “King Kong en Asunción” tão interessante, porque o diretor não constrói um filme ágil, com cortes rápidos. Ao contrário, ele cria uma jornada longa e vagarosa enquanto Andrade Júnior brilha, com seu reconhecido talento para o improviso, em um papel que lhe coube como uma luva. Assim, o protagonista passa por momentos que, mesmo a céu aberto, soam sufocantes; e mesmo em quantidade etílica enorme, soam libertadores. Ali está um homem que tem plena consciência de que seu fim está próximo, e de que enxerga uma rápida jornada de redenção não para ele, mas para a família que precisou abandonar.

Desta forma, o diretor desenvolve um longa-metragem ao melhor estilo road movie, incluindo a brilhante fotografia de Camilo Soares e a imensidão ao redor do Velho, como se engolisse sua existência em um exercício poético sobre o passar do tempo. A natureza, aliás, é elemento constante que complementa os diversos momentos nos quais o homem precisa ser a figura de menor escala, e o tempo que lhe corroeu a mente o transforma em um ser murcho, como um contraste com a vida exuberante das folhagens e das cores ao seu redor.

Porém, o que mais traz simbolismos à existência daquele Velho é a narração de Ana Ivanova, toda feita em guarani, algo que não só demonstra como o tempo tornou aquela figura deslocada de sua realidade, como também une os territórios pelos quais ele passa. E, carregando o peso nas costas de seu protagonista, Cavalcante prefere que o prazer jamais pareça pertencer a esta história, distanciando-o de quaisquer cenas, mesmo o menor do regozijo. Isso traz um tom de frieza que incomoda ao longo do filme, e que pode atrapalhar em parte a experiência. Porém, é fácil compreender os porquês de tais escolhas serem feitas.

Com isso, “King Kong en Asunción” é sobre o fantasma das raízes culturais latinas, antes de tudo ser morto pelo matador profissional do europeu colonizador. Com o talento de um ator que tão bem se encaixa no personagem (ou seria o contrário), esta é mesmo uma história de redenção. Não de um matador, mas da passagem do tempo sobre o homem e seus feitos. O conflito entre o existencialismo capitalista e moralista contra a busca pela pureza das raízes através da terra e da língua materna.

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Crítica | King Kong en Asunción (2020): triste acerto de contas

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