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Dizem que o efeito borboleta é um conceito quase filosófico, pois, em seu significado, ele traz a seguinte ideia: o bater de asas de uma borboleta aqui pode provocar um tufão do outro lado do mundo. Nada mais é, então, do que uma bela teoria sobre o caos e como ele funciona dentro da física: todo efeito tem uma causa, toda ação tem uma consequência. Dentro disso, está o roteiro inteiro deste “Dora e Gabriel”, de Ugo Giorgetti.

Gabriel (Ary França) é um homem de meia idade que passa diariamente pelo mesmo semáforo no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, onde tem o seu próprio negócio. Há meses, o sinal estava quebrado, mas, justamente na noite na qual esta história se passa, ele foi consertado e, em uma madrugada qualquer, Gabriel é obrigado a parar no farol vermelho. Em uma fração ínfima de tempo, ele é abordado por sequestradores, que o jogam no porta-malas de seu carro. Mas, ainda pior do que a situação de Gabriel é a de Dora (Natália Gonsales), que apenas estava passando por ali: o suficiente para também ser abordada e jogada junto do dono do automóvel.

Pronto. Aqui está o cenário principal do longa, que posiciona estrategicamente os protagonistas de forma horizontal, é claro, mas contrária um ao outro. Naquele pequeno espaço, Dora começa a se desesperar, pois é claustrofóbica, e é acudida pelo estranho que passou a servir de companhia há poucos minutos. Ali, eles vão se descobrir como dois seres humanos em situação extrema, sem saber o que aconteceu e, muito menos, o que acontecerá. “Eu só tinha que andar três quarteirões”, dizia Dora, após o desespero passar.

No porta-malas de um Corolla, a inusitada dupla se questiona sobre como serão os próximos minutos. Ali, eles acabam conhecendo as fraquezas um do outro, e isso os torna mais calmos, ou ao menos controlados. Sem ter o que fazer, percebem, através de uma fresta, que há uma criança no carro, mascarada, a qual serve como única forma de contato com o mundo externo, apesar de ser insuficiente justamente por não encontrarem respostas no garoto irritadiço.

Dentro do espaço apertado e escuro, o espectador passa a se questionar sobre até que ponto aquela conversa toda é real, dentro de toda a linguagem trazida à tona. Afinal, em um filme de sequestro, o comum é mesmo manter a tensão sempre em alta, mas, neste caso, a narrativa escolhida pelo diretor é mais intimista, e não só por conta do cenário reduzido, mas pelas questões levantadas pelos personagens. Como em um acerto de contas com suas vidas, eles conversam sobre o que aconteceu até então, além de suas experiências marcantes, erros cometidos e, em alguns momentos, arrependimentos.

A partir do segundo ato, então, o curto filme é hábil ao enganar o espectador dando esperanças de que algo além vai acontecer, mas o diretor, que também é o roteirista desta obra, aproveita a expertise de seu diretor de fotografia, Walter Carvalho, para entoar a excelente armadilha que pouco a pouco se forma. Com isso, apesar de convidar o espectador a prestar cem por cento de sua atenção, existe um adendo pouco reparado, ao menos pelos pouco atenciosos: quem de fato são aqueles personagens? O que “Dora e Gabriel” significam através daquelas pessoas? São mesmo sequestrados ou é apenas uma alegoria visual?

Seja qual for a resposta encontrada pelo espectador, com certeza virá a partir da excelente dupla central. Ary França, carregado de sotaque, é esperto ao jamais deixar seu protagonista caricato, pois, caso contrário, soaria ridículo demais para ser levado a sério. Por sua vez, Natália Gonsales vai do zero ao cem em poucos segundos, e é hábil ao jamais deixar com que sua personagem soe óbvia, o que enganará algumas pessoas até o desfecho.

Aliás, é justamente o desfecho um dos pontos altos do longa. Com Gabriel e Dora bem estabelecidos, assim como o repertório de ambos indicando muito mais do que eles deixariam escapar em uma situação social comum, são mesmo os minutos finais os responsáveis pela pequena catarse na mente do espectador, e isso faz toda a diferença para que, nas próximas dezenas de minutos seguintes, o filme esteja funcionando como uma espécie de sinal de alerta para os tempos modernos. Assim, o “Para onde vamos?” soa mais ácido do que parecia até então.

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Crítica | Dora e Gabriel (2020): relações perigosas em filme de sequestro

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