Existe uma unidade em toda a América do Sul que vai além de questões de idioma, colonização e geografia. A política parece se assemelhar entre os países latinos, e a forma de descobrir a corrupção, lidar com ela e sofrer, de tempos em tempos, golpes de estado – tudo forma um conjunto histórico quase global, e que felizmente encontra na sétima arte a linguagem apropriada para lidar com toda a abrangência do tema. Por isso, além do elenco diversificado, este “Aranha” é o tipo de filme que se comunica facilmente em diversos idiomas, mesmo que oficialmente o seu seja o espanhol.
Ao trazer dois retratos da realidade política do Chile, sendo o primeiro na década de 1970 e o segundo, nos tempos atuais, o filme faz com que o espectador viaje entre o passado e o presente para compor, juntar e montar as peças desse quebra-cabeça triste e necessário. Desta forma, o espectador vai conhecer duas fases da vida de Inés, as quais são interligadas através de um gatilho bastante comum à vida daquela mulher. Com isso, ao adotar a estrutura narrativa de apresentar o passado como justificativa para o comportamento atual de sua protagonista, o diretor, Andrés Wood, adota o caminho contrário, e essa dualidade é o justo retrato da geração que, durante os anos 1970, lutou contra a ditadura, e que hoje está mais conformada do que se poderia esperar.
Porém, para embasar cada um dos pontos de vista levantados pelo roteiro de Guillermo Calderón, o diretor leva o espectador a uma viagem à juventude ativa dos anos 1970. Naquela época, Inés (Mercedes Morán) e Justo (Gabriel Urzúa) participam do grupo denominado Frente Nacionalista Patria Y Libertad, ou Patria y Libertad, que nada mais é do que uma organização política de ultra-direita que queria derrubar o recém-empossado presidente socialista, Salvador Allende, deposto em prol do golpe de estado de Augusto Pinochet.
Com o olhar clínico de Wood, o filme caminha a passos vagarosos para a construção de um cenário no qual o grupo faça algum sentido, e isso acontece justamente porque o roteiro os transforma em jovens idealistas, o que geralmente é retratado como parte da esquerda, e que aqui tem a outra vertente apresentada. Porém, justamente por saber aproximar o espectador de seus personagens, Wood apresenta Inés e Justo como dois idealistas repletos de sonhos e desejos, e a entrada de Gerardo (Pedro Fontaine) é o que desequilibra a equação, pois, com o recorte do tempo e a edição apresentando os tempos atuais, é realmente triste ver como toda aquela energia contraditória perdeu não só o sentido, como a sua vitalidade. Desta forma, quando jovens, os três faziam parte de todos os atos contra Allende, e brigavam de forma violenta a favor do que acreditavam. E o que o recém-conquistado Gerardo fazia, muitas vezes, não surtia nenhum efeito em si, pois o realizava para agradar especificamente Inés.
Com o corte do tempo para hoje, agora Inés (Mercedes Morán) é uma mulher de classe abastada, e está casada com Justo (Felipe Armas), que sofre com o avanço do Alzheimer, mas pode contar com uma vida de conforto. Com isso, há duas vertentes claras que merecem reflexão: a primeira é que o flerte com o dinheiro proporcionou àquela família uma vida de luxo, com a possibilidade de comprarem uma casa enorme e lidar com o crescimento dos filhos sem preocupações financeiras. Por sua vez, a segunda é que a persona de Gerardo serve, nesta história, para desequilibrar a equação, e ele agora está na pele de Marcelo Alonso, que o carrega como um personagem amargurado, cujo efeito do tempo está em seus ombros, cabelos parcos e senso de justiça deturpado.
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Não é à toa, portanto, que Inés o vê como uma ameaça a tudo o que construiu, pois, mais do que um comparsa do passado, ele teve sua devida importância na vida da protagonista. Ao mesmo tempo, há um fascínio na pessoa de Gerardo. Assim, quando o vê, pela primeira vez em muitos anos, no noticiário após atropelar deliberadamente um ladrão que havia acabado de saquear uma bolsa, ele se torna alvo de investigação por conta de seu passado, além de ser dado como morto, em consequência a uma das missões do Patria y Libertad, há mais de trinta anos.
Com isso, Andrés Wood cria um clima de constante tensão, e os diversos questionamentos políticos que levanta ao apresentar personagens tão contraditórios merecem ser conferidos, seja porque este é um filme-reflexo dos tempos atuais, seja porque a construção narrativa é muito bem desenvolvida. Com o potente trabalho de fotografia desenvolvido por M.I. Littin-Menz, as nuances trazidas entre as duas épocas possuem identidade própria – com a tonalidade levemente em sépia para os anos 1970, e o contraste de cores frias com poucas combinações quentes para os tempos atuais. E o figurino escolhido para Inés é uma de suas principais características, com roupas de cortes nobres e cores da moda, como uma típica mulher de classe alta de qualquer país da América Latina.
Desta forma, este “Aranha” é um daqueles filmes cuja política está em sua essência, mas é o comportamento social, e suas justificativas, que trazem mais nuances aos personagens. Um efeito extremamente positivo, mas perigoso, porque pode causar incômodo em diversos espectadores, sobretudo se estes não souberem interpretar a diferença entre o alcance da arte e o do partidarismo. Felizmente, existem cineastas como Andrés Wood para transitar com naturalidade entre um aspecto e outro.
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