O que foi traçado como o filme de despedida de Daniel Craig na pele do mítico agente do MI6, James Bond, se transformou em uma grande expectativa para todo curioso fã de cinema, pois a estreia do longa foi diretamente comprometida pela pandemia de Covid-19, o que só aumentou a ansiedade. Mas, o que mais causa intriga é que a trama gira em torno de um vírus cuja reação no corpo humano é mortal. Assim, com aspectos de presságio ao melhor estilo conspiratório, este “007 – Sem Tempo para Morrer” é, dentre muitas coisas, essencialmente um filme de James Bond.
Agora, Bond (Craig) precisa lidar com o fato de não conseguir, jamais, se aposentar apropriadamente. Após os acontecimentos de “007 Contra Spectre”, o espião mais famoso do mundo ainda sente os resquícios daquela organização criminosa poderosíssima, o que atrapalha, mais uma vez, a sua vontade de seguir com a vida buscando sua felicidade. Por isso, sua relação com Madeleine Swann (Léa Seydoux) sofre de diversas formas, e ambos encontram uma ligação inédita entre suas vidas, o que é a causa de um dos impactos desta obra.
Enquanto isso, o agente passa, neste longa de quase três horas de duração, por diversas etapas dentro da jornada em clima de despedida, o que, obviamente, não é algo escancarado, pois mais uma vez ele precisa salvar o mundo. Com isso, o realismo estabelecido nos três primeiros filmes dá espaço a uma missão muito mais parecida com o que acontecia nos capítulos de Sean Connery, Roger Moore e até mesmo Pierce Brosnan. Desta forma, ainda que esta produção saia sutilmente da proposta estabelecida em “007 – Cassino Royale”, ele se reencontra com suas origens, e com o que outros intérpretes viveram, em uma mistura que ainda convence. Ou seja, aqui há planos mirabolantes, vilão caricato e acontecimentos mundialmente perigosos.
Aliás, um dos aspectos que chama a atenção é o vilão interpretado por Rami Malek, Lyutsifer Safin, e como ele se assemelha ao clima estabelecido pela franquia entre os anos 1960 e 1970. Por outro lado, é uma grande pena que o roteiro de Neal Purvis, Robert Wade, o também diretor Cary Joji Fukunaga e Phoebe Waller-Bridge (sim, de “Fleabag”) não consiga criar um personagem tridimensional, o que torna o ator deslocado daquela realidade, como se não pertencesse ao universo estabelecido – e mesmo Christoph Waltz, como Blofeld, não surtia o efeito negativo aqui apresentado, e atores do calibre de Mathieu Amalric, Mads Mikkelsen e Javier Bardem cumpriram a função com diferentes pesos e responsabilidades, mas dentro da proposta.
Infelizmente, então, o vilão é um dos destaques negativos, acompanhado de um segundo ato vagaroso, justamente quando ele tem seu desenvolvimento apresentado, o que não é grande coisa. Por outro lado, esta é, de fato, uma obra essencialmente James Bond, e os encontros e reencontros do agente merecem crédito pelo respeito ao conjunto de cinco filmes de Craig como protagonista, e o que foi estabelecido desde o início: um Bond mais arredio, que possui seu charme, mas não ousa perder uma luta corporal de forma nenhuma. Aliás, foram esses os momentos mais icônicos do ator no personagem, e os olhos azuis cristalinos o tornaram alguém charmoso à sua própria maneira.
Então, contando novamente com Q (Ben Whishaw), cujas nuances são mais exploradas agora, e com Moneypenny (Naomie Harris) como grande aliada, Bond ainda precisa responder a M (Ralph Fiennes) e conta com aliados antigos, como Leiter (Jeffrey Wright) e novos, como Paloma (Ana de Armas), na sequência mais divertida da produção. Porém, há nuances sobre o agente do MI6 que ainda não haviam sido apresentadas, e novidades sobre a agência que fazem completa diferença para que este filme seja o entrelaçamento do clássico, com diversas referências à cultura do personagem, com o futuro proposto a partir de agora.
Com isso, Cary Joji Fukunaga se estabelece como um diretor correto, que não criou um icônico capítulo, mas tampouco o transformou em um cenário desperdiçado. Há a essência do personagem em todas as suas ações, e a técnica é acompanhada pelo belíssimo trabalho de fotografia de Linus Sandgren, pela trilha sonora presente e impactante – de Hans Zimmer, é claro – e pela direção de arte que evoca os clássicos através de detalhes como certos exageros propositais, que conversam com o espectador como se o convidasse a embarcar em uma viagem no tempo, sem deixar a vertente elegante e moderna de Daniel Craig de lado.
Aliás, Craig consegue se encaixar como um dos melhores James Bond em 25 filmes da franquia, algo que o ator deixou claro desde o início, quando a proposta de um protagonista loiro, de olhos claros evidenciou a vontade de seguir novo caminho para a franquia – algo que os fãs mais puristas detestaram. Mas, como o cinema é uma arte que felizmente conversa com o seu tempo, o personagem passou pelas mudanças necessárias, e este filme é, talvez, o exemplo mais claro de que os novos tempos chegaram e ponto. Contudo, chegaram para se despedir de Craig e de seu talento inegável, e para iniciar um novo ciclo para o título de 007. Para alguns, é o símbolo de uma era; para outros, apenas um número. A discussão está aberta.
O post Crítica | 007 – Sem Tempo para Morrer (2021): essencialmente Bond, James Bond apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.
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