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Resumir o que aconteceu nos milhares de anos em que a humanidade ocupa a Terra em apenas alguns anos de aulas de história é uma tarefa complicada e há sempre alguns assuntos que passam despercebidos em meio a tanta matéria.

Um deles é o luddismo, movimento ocorrido na segunda década do século 19 marcado por revoltas de trabalhadores ingleses insatisfeitos com a introdução das máquinas que substituíram seus serviços em tecelagens e que, capitaneados por um homem conhecido como Ned Ludd, passaram a quebrá-las em protesto.

O temor que o progresso da tecnologia despertava duzentos anos atrás, aliás, não difere muito da tecnofobia atual, reavivada desde os avanços na ciência, e na informática em especial, nas últimas décadas. E, se os ecos desses movimentos não ocupam tanto espaço no ambiente escolar atual, em compensação, têm lugar garantido em Hollywood.

O novo exemplar deste tipo é a ficção científica “Transcendence – A Revolução” (2014), que estreia nesta quinta (19). O longa é a primeira direção de Wally Pfister, diretor de fotografia dos filmes de Christopher Nolan –aqui, produtor executivo–, desde “Amnésia” (2000), e que chegou a ganhar um Oscar pelo seu trabalho em “A Origem” (2010).

Novamente, a inteligência artificial –agora associada à nanotecnologia– serve de mote para o debate sobre tecnologia e seus limites, além do perigo advindo daquele, ou daquilo, a quem foi dado poder irrestrito.

O início do filme ocorre num futuro apocalíptico não-identificado, em que a energia elétrica é escassa e teclados de computadores são usados como pesos de porta. Max Waters (Paul Bettany), então, introduz a história sobre o que ocorreu, cinco anos antes, com um casal amigo dele, também cientistas, e que teria ocasionado situação.

Will Caster, interpretado por Johnny Depp, é uma espécie de rock star da ciência, por causa da sua avançada pesquisa na área de inteligência artificial, na qual desenvolve, junto com a sua mulher, Evelyn (Rebecca Hall), uma máquina autoconsciente chamada PINN.

Após uma apresentação em um congresso, em que é questionado se não queria criar “um novo Deus”, Will é baleado em um dos ataques orquestrados por um grupo revolucionário-terrorista anti-tecnologia, liderado por Bree (Kate Mara), uma “Ned Ludd dos novos tempos”.

Mesmo recuperado do tiro, o cientista não escapa aos efeitos do veneno posto na bala que o atingiu, dando-lhe apenas poucas semanas de vida. É o suficiente para que sua mulher e seu amigo tentem colocar a sua consciência em um computador, tendo a PINN como base. Por aí se desenrola a trama de “Transcendence”.

Trata-se de uma produção muito bem realizada em relação aos seus aspectos técnicos e, como já era de se esperar, a fotografia é o carro-chefe.

Pfister passa a bola para Jess Hall, diretor de fotografia de “The Spectacular Now” (2013) e “30 Minutos ou Menos” (2011), que filma com tons mais frios e pastéis –o que é visto também na paleta de cores– em boa parte do filme, para destacar, mais à frente, a vivacidade da natureza despertada com a transcendência.

E como representação do poder desse “novo Deus” tecnológico que transcende em sua recriação de um mundo melhor, a dupla abusa dos planos detalhes em slow motion de gotas d’água, substância essencial para a vida neste planeta.

O elenco, por sua vez, se não compromete o longa, também não dá o brilho necessário. Johnny Depp fica muito aquém do esperado, às vezes, quase em piloto automático. Mesma situação de Morgan Freeman, mais uma vez uma espécie de guru que traz a “voz da razão”, como o mal explorado Joseph Tagger, junto ao agente do FBI, Buchanan, de Cillian Murphy.

Rebeca Hall, Paul Bettany e Kate Mara demonstram maior esforço, mas não é o suficiente para personagens que não são de todo maniqueístas, porém mereciam ser mais desenvolvidos. A dubiedade colocada na versão virtual de Will Caster, por exemplo, é um acerto, mas tal complexidade não é vista em outros papéis.

Esse é um dos pontos fracos do roteiro do novato Jack Paglen que, junto à direção do também estreante Wally, tenta trazer elementos diferenciados à obra, mas é incapaz de criar a percepção de que existe um problema urgente, de escala mundial.

É certo que a ação do filme é mais restrita ao círculo de amizades e inimizades do casal Caster e à cidade quase desértica em que a nova máquina é baseada para aumentar a sua capacidade.

Mesmo com seu tom extremamente intimista, o recente “Ela” (2013), de Spike Jonze, foi mais bem sucedido ao universalizar a tecnologia que cercava o protagonista, com planos simples de ambientação no trem ou na escadaria do metrô, por exemplo. A comparação da empatia criada pelo sistema operacional Samantha, somente com a voz de Scarlett Johansson, é muito maior do que a que se cria com o cientista virtualizado em som e imagem com Johnny Depp.

Mais do que empenho do próprio intérprete, falta habilidade de Paglen e Pfister em cativar o público e captar sua atenção, independente do esmero visual, algo que o mestre do diretor principiante, Nolan, consegue fazer muito bem.

O efeito do filme de transcender a audiência dependerá muito de cada espectador, mas, a despeito de todas as falhas apresentadas, principalmente na sua porção de entretenimento, “Transcendence.” está longe de ser o horror descrito pela maioria da crítica norte-americana, mercado onde também não obteve sucesso comercial.

No fim, as questões a que ele se propõe continuam vivas após as suas quase duas horas de duração: o que nos torna humanos? Seres humanos e tecnologia nunca conseguirão alcançar um equilíbrio? Ou melhor, será preciso perder a humanidade para tornar o mundo melhor?

fonte:cinema.uol.com.br

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